segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Memórias de um Cuiabano

Nossa querida e bela Cuiabá! Composta de um povo trabalhador que enfrenta todos os dias inúmeras dificuldades para conseguir viver nesta cidade. Não apenas o clima quente e seco que castiga seus moradores, mas também a falta de estruturas fundamentais para a vida em sociedade.
            Sem perder a alegria, o cuiabano falador e hospitaleiro tem em seu dia a dia verdadeira batalha para concluir seus afazeres. Povo esse formado por várias raças, entre os “tchapa e cruz” e os “pau rodado”, tem destaque os indígenas moradores milenares destas terras que se misturaram aos brancos sulistas e aos negros que trouxeram mais cor e curvas a esta receita deliciosa. Com traços distintos, formam todos uma combinação física de um povo que possui coração enorme e verdadeiro amor por esta terra.

Com quase 300 anos, Cuiabá tem em seu apelido “Cidade Verde” retrato de sua paisagem que mesmo em meio ao concreto e ao ferro preservou suas frondosas mangueiras. O rio que deu nome a cidade, corta a paisagem levando um pouco de natureza a seus moradores. 
Possuidora de grande riqueza cultural, vemos nos casarões centenários localizados nos bairros mais antigos como Lixeira, Centro, Baú e Porto os registros históricos de portugueses e espanhóis que aqui vieram em busca de ouro.
Hoje, o cenário urbano mudou para conseguir acompanhar o progresso e assim dar suporte estrutural para os habitantes que vindos de várias cidades do país e também do exterior, se misturam ao povo que aqui viveu aumentando cada vez mais a população. Se hoje os desbravadores de antigamente aqui chegassem não reconheceriam o local, encontrariam paragens como a região da “Prainha” totalmente modificada por avenidas de trafego intenso que se sobreporão ao rio que rendeu tantas pedras preciosas.
Do Coxipó ao Jardim Vitória, vemos grandes vias, ladeadas por edifícios, casas, viadutos, obras que se estendem horizontal e verticalmente. Agora, com quase 600 mil habitantes (IBGE, 2014) esta região necessita de estruturas físicas para se desenvolver. Infelizmente é preciso testemunhar que são sofrimento e dificuldade que o povo desta terra tem enfrentado para conseguir as condições básicas para sua sobrevivência. Ao andar pela cidade e apreciar suas belezas precisamos estar sempre atentos para não cair nos buracos que arruínam as vias e dificultam o transito. Não apenas a malha asfáltica em péssimo estado, mas toda a infraestrutura básica encontra-se em estado lamentável. São escolas, hospitais e transporte público que precisam de reparos e reajustes.
Bela, porém sofrida, Cuiabá necessita do amparo de seu povo querido, da união destes guerreiros contra a má gestão pública, contra a corrupção que infelizmente assola não apenas esta cidade como todo o Brasil, sendo este o grande mal do país, praga que desembarcou junto aos portugueses na época do descobrimento e que floresceu como erva-daninha causando ainda hoje muitos prejuízos.
Recentemente o Brasil passou por um período atípico, um evento que veio com a promessa de melhorar os locais por onde passasse e que traria dinheiro e vislumbre internacional para várias regiões do país: A Copa do Mundo. Foram muitos anos de preparação, de espera e de mudanças para o tão esperado evento. Cuiabá foi escolhida uma das cidades sedes, eleita a Capital do Pantanal. Para isso, ficou acordado que ela precisaria passar por transformações. O povo cuiabano festejou esta conquista e por muito tempo sonhou com o que a Copa traria a esta terra. Foi eleita uma comissão para decidir quais mudanças aconteceriam e como elas ocorreriam, mas como qualquer comissão eleita neste país, intrínseca a esta estava a tão deplorável corrupção. Muitas melhorias foram definidas, viadutos novos, avenidas maiores, rotatórias em lugares propícios, estádios, centros de treinamento e o famoso VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que seria um transporte público a dar rapidez ao transito. As obras começaram e testaram os limites da paciência e da bondade do cuiabano, que teve que mudar seu caminho, enfrentar gigantescos engarrafamentos, aguentar a poeira e a sujeira das obras, convier com tratores, escavadeiras, tudo para resolver em dois anos seus problemas seculares. E então ele esperou, esperou e a copa passou e o VLT não chegou.
Quanto mais se aproximava o tão esperado evento, mais o cuiabano se preocupava com o estado que estava sua cidade, similar a uma verdadeira zona de guerra. Alguns meses antes do evento, pouco do que foi prometido estava realmente pronto e começou outra luta para esconder e maquiar toda aquela bagunça. Quando os estrangeiros aqui chegaram, tinham apenas o estádio para contemplar. Não tinha VLT, não tinha viadutos, não tinha aeroporto pronto. E foi assim que tudo ocorreu, quatro dias de eventos e festas, quatro jogos que marcaram para sempre a vida do povo desta terra. A copa acabou e o que restou foi ruinas de bilhões de reais que saíram dos bolsos daquele povo sofrido que deu seu dinheiro, seu tempo, sua paciência em prol do sonho de viver melhor.
No mês de julho comemoramos com muito pesar o aniversário de um ano da copa, um ano de VLT, momento que deveria ser glorioso, mas foi melancólico, marcado por frustração e tristeza. Algumas obras foram liberadas e pouco tempo depois bloqueadas novamente por terem sido mal feitas, mal pensadas e mal executadas, por terem custado muito aos cofres públicos, dinheiro esse que não foi totalmente repassado para sua elaboração, pois uma boa parte foi roubada por ladrões engravatados que deveriam por lei defender o povo, mas o que fazem é piorar a vida destes cidadãos. O descaso, a imoralidade deixou marcas por todo o Brasil, pois várias cidades ganharam novas ruinas, viadutos que caíram, avenidas mal feitas entre outros. Agora o que nos resta é esperar mais uma vez, não calados como outrora, e sim lutando para que a promessa seja concluída e o sonho realizado, mesmo fora do tempo, mesmo modificado.
Essa data tão significativa não poderia passar em branco. Muito se falou, reportagens, posts em redes sócias e algumas amostras de insatisfações populares marcaram o mês de julho de 2015 e demonstraram a indignação do povo Cuiabano.
É também preciso destacar outra forma de protesto feita pelos cidadãos. Ao andar pelas ruas vemos algumas marcas de descontentamento, muitas vezes interpretada como poluição visual das cidades, mas que são declarações em forma de pichações, desenhos e frases e que agem como intervenções culturais. Contra a corrupção, contra o descaço do poder público com seus cidadãos, elas são um grito de socorro, um apelo àqueles que transitam.
 Entre as manifestações estava a de um grupo de alunos de mestrado do curso de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso. Como participante deste grupo, posso dizer que este foi um dia muito emocionante, marcado pela união, pela vontade de ajudar nossa querida e mal tratada Cuiabá.
Tudo começou com a proposta feita pela professora Maria Thereza Azevedo de realizar uma intervenção cultural em algum lugar da cidade. Os alunos logo expressaram a ideia de elaborar algo sobre as obras do VLT para marcar a data de um ano que ele deveria estar pronto. Depois de muita discussão, foi decidido realizar um evento que representasse uma festa de aniversário. Foi assim que no dia 14 de julho de 2015 os alunos se dirigiram ao viaduto localizado na Avenida Fernando Correa feito para desafogar o transito da região e facilitar a passagem do VLT. Com nariz de palhaço, chapeuzinhos de aniversário, bolos e docinhos todos cantaram canções e celebraram o aniversário em que o aniversariante nunca chegou. Os alunos também levaram painéis que representavam o VLT com nariz de palhaço, uma vela de aniversário e a bilheteria onde seriam compradas as passagens.

Em cima daquele viaduto pudemos contemplar a beleza da nossa amada Cuiabá. Um por do sol estonteante fez do céu vermelho verdadeira obra de arte.
 Com o coração pesado de tristeza vimos os trilhos da modernidade que levariam sossego, conforto e tranquilidade a tantos, mas que agora servem apenas para nos lembrar de tudo o que passou, do tanto que se esperou e que no final nada aconteceu. Trilhos que aparam a água da chuva, que juntam lodo e lixo, mas que ainda aguardam com pequena esperança a vinda do aniversariante, a chegada do VLT.
As pessoas que por ali passavam fizeram questão de participar, mesmo dentro de seus carros, buzinando e gritando incentivo aquele evento que serviu de protesto por toda corrupção. Uma grande fila de carros se fez para que todos que ali passavam pudessem compartilhar, mesmo que de longe, daquele mórbido aniversário. Pudemos sentir como era grande a indignação dos cuiabanos por ver parada uma obra tão esperada.
No final do evento deixamos nossa marca não apenas na lembrança de quem por ali passou, mas também nossos painéis para mostrar que um dia esse aniversariante vai chegar.
O evento acabou e deixou no coração de todos misto de tristeza e felicidade. Tristeza pela situação vivida, pelo contexto criado, mas alegria por ter tentado, mesmo que minimamente, chamar a atenção e mostrar a população e aos governantes que estamos vendo tudo isso, que estamos vivos e que vamos lutar para que prometido seja cumprido, para que o sonho seja realizado e toda essa gente possa enfim desfrutar daquilo que o suor de seu dinheiro pagou.

Referências:
AZEVEDO, Maria Thereza. Vozes Livres sobre Tralhas. Cuiabá, Julho 2015. Disponível em: https://www.facebook.com/pages/Vozes-Livres-sobre-Tralhas/1635808969964363?fref=ts Acesso em 12/08/2015.
BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo, Martins, 2009.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2014. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 12/08/15.


Aluna: Ellen Kaline Strobel Moreira Weimer

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